Era um bom dia de manhã, logo cedinho. Bem na hora que os
pássaros saem de casa para cantar nas janelas. Foi quando percebi que eu era
uma pilha e precisava de gás para transbordar minha intimidade. Nem sei se
forçava, nem sei se moía. Às vezes parecia que não tinha graça recarregar a
pilha apenas no final semana. Às vezes não, quase sempre não tinha graça. Tinha
final de semana que vibrava intimo a vontade de ser como o pássaro que bebia
água na minha janela. Beber água com o corpo deitado e suspenso no ar, agarrado
no bebedouro de plástico colorido é quase que um número de circo. Mesmo assim,
tenho a impressão que a profissão de ser pássaro não é tão fácil como ser
humano. O humano já tem todas as regras prontas: a moda diz o que você veste, a
TV diz o que está acontecendo e já traz a análise pronta, as escolas contam a
história que seu avô não conta mais e os remédios estão nas prateleiras das
farmácias para curar todas as dores, inclusive as de tristeza e solidão. Os
pássaros não. Vivem do vôo, do criativo, do inventado. Vivem das piruetas no ar e do banho nas poças d’água.
Estão quase sempre em bandos e parece que brincam o tempo todo. Os homens estão
sozinhos e fingem que tem amigos e compartilham com a família, se prendem em
caixinhas e no último censo do IBGE foi comprovado que pagam mais caro por esta
solidão. Poucos são os que desejam a vida de pássaro. A maioria acha a natureza
muito primitiva, eles superaram o estágio homem-animal. Engraçado! Fico em
dúvida se é uma nova espécie de sapiens sapiens. Eles, os humanos, passam o dia
postando sua vida nas redes sociais, esquecem-se de dar um OI para o vizinho e
sentir prazer no ar que se esconde no mato. Mas nesse dia que acordei cedo, lembrei que uma
vez conheci um homem-pássaro. Ele não fazia tantas piruetas, na verdade o que
ele fazia pode ser caracterizado como peripécias. Ele cantava, acordava cedo,
inventava a vida, criticava o que vinha pronto. Mas não voava. Era chamado de
comunista. Por ser classificado assim teve suas asas cortadas no meio de uma
madrugada de sábado.
domingo, outubro 28, 2012
sábado, outubro 27, 2012
quinta-feira, outubro 25, 2012
Quinta intercorrência
Nada que fosse infantil: que cobria a realidade mais cruel
Nada que fosse resto: sobra que incomoda na fatia da maçã
Nada que fosse lembrança: que palpita com medo de parar de doer
quinta-feira, outubro 18, 2012
domingo, outubro 07, 2012
Extra, extra!
Nessas eleições fica decretada
uma epidemia! Ainda sem nome, mas um pouco parecido com o Mal de Alzheimer -
doença degenerativa, ainda sem cura, mas com tratamento.
A demência política atingiu maioria dos votos. É preocupante visto que os estudos dizem que a prevalência aumenta com os anos. O primeiro sintoma da doença é a perda
da memória, que às vezes é confundido com os problemas da idade ou do stress.
Outro sintoma é a confusão mental, não se sabe mais que candidato está com quem
e não se consegue entender o que está por trás das alianças. Ainda somam-se aos
sintomas: irritabilidade, agressividade, alterações de humor e falhas na
linguagem. Mais preocupante ainda é o desligamento da realidade, parece que as
pessoas se enclausuram e fecham em seus grupos, não dialogando as propostas nem
abrindo espaço para o novo.
Fechado os quatro ciclos, no
último, o cidadão com demência política fica completamente dependente das pessoas que tomam conta dele.
Nesse caso, perde a capacidade de escolher o que é melhor pra si e para os
demais, segue cego, sem crítica e apático a qualquer reação de mudança. Não
consegue acreditar na transformação social, não consegue se enxergar enquanto
sujeito político.
Dizem
que os estudos sobre prevenção ou atraso dos efeitos desse mal são infrutíferos.
No entanto, os mesmos estudos apontam que existe relação entre o cuidado na
alimentação e atividades intelectuais. O exercício da leitura, os conhecimentos
de outras realidades podem retardar a demência política. Outra sugestão, essa
mais pessoal, é a leitura do livro de Betinho “Como se faz análise de
conjuntura”, saber discordar e como discordar é importante, quando se tem
fundamentação e não só por apatia ou por gostar de balançar a cabeça.
Outra
forma de tratamento é espalhar esperança, contagiar com alegria para quebrar as
individualidades. Esse tipo de Alzheimer é um fenômeno da democracia
representativa no modo de produção capitalista, sob égide do modelo neoliberal.
O que muitos chamam de pós-modernidade nada mais é que o aprofundamento das
relações nesse modo de produção.
Expressões
da questão social como aumento da pobreza, precarização das relações de
trabalho e desemprego estrutural são determinantes para o aumento do índice de
demência política. Os cidadãos ficam acorrentados ao sistema e trocam o voto
por um emprego ou cesta básica, o que dá no mesmo. É jogada no lixo a
oportunidade de mudança, mas como disse ainda no século XIX o francês Joseph-Marie
Maistre: "Cada povo tem
o governo que merece". Assim sendo: povo demente, governo demente.
quarta-feira, outubro 03, 2012
Terceira intercorrência
Toda vez que faço um poema me esqueço dos traços que
precisam ser feitos quando se desenha uma vida
Toda vez que faço um poema me parece que a poética sai
Vai embora, fugindo da vida que eu prometo
Da vida que só sai em minhas palavras de má poeta
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