quarta-feira, novembro 21, 2012

Nona intercorrência

Ferida não sara com tanta facilidade. Marca deixando cicatriz. Sai tatuando todo o corpo. E as vezes a gente se esconde atrás dos machucados. E treme quando alguém toca na ferida porque dói. E segue a dor, queimando. E a gente não se acostuma com dor. Dor é ruim. Você sente como que queimando o coração e de repente todos os sentidos também vibram. Algumas pessoas desmaiam, sabia? Tem gente até que entra em coma. Viver com dor não é fácil. Imagina só quanta tristeza que deve ser viver com dor. Lentamente até apagar tudo. Restar somente lembrança.

terça-feira, novembro 20, 2012

Oitava intercorrência


Apenas descanso
Então eu canso
Das frases secas
Do contato cru
Da pele sem toque
Dos meus nãos
Dos incansáveis sins
E também de mim
De insistir
Por isso agora eu que descanso
Paro no ponto
Na calçada
Pessoas caminhando e passando
Sem ponto
Correndo
Sabendo que algo passou
E quebrou
Fico no ponto
Das rimas pobres
Das palavras sem sentido
Soltando palavras no vento
Pro tempo do descanso
Então eu canso

domingo, outubro 28, 2012

Sétima intercorrência


Era um bom dia de manhã, logo cedinho. Bem na hora que os pássaros saem de casa para cantar nas janelas. Foi quando percebi que eu era uma pilha e precisava de gás para transbordar minha intimidade. Nem sei se forçava, nem sei se moía. Às vezes parecia que não tinha graça recarregar a pilha apenas no final semana. Às vezes não, quase sempre não tinha graça. Tinha final de semana que vibrava intimo a vontade de ser como o pássaro que bebia água na minha janela. Beber água com o corpo deitado e suspenso no ar, agarrado no bebedouro de plástico colorido é quase que um número de circo. Mesmo assim, tenho a impressão que a profissão de ser pássaro não é tão fácil como ser humano. O humano já tem todas as regras prontas: a moda diz o que você veste, a TV diz o que está acontecendo e já traz a análise pronta, as escolas contam a história que seu avô não conta mais e os remédios estão nas prateleiras das farmácias para curar todas as dores, inclusive as de tristeza e solidão. Os pássaros não. Vivem do vôo, do criativo, do inventado.  Vivem das piruetas no ar e do banho nas poças d’água. Estão quase sempre em bandos e parece que brincam o tempo todo. Os homens estão sozinhos e fingem que tem amigos e compartilham com a família, se prendem em caixinhas e no último censo do IBGE foi comprovado que pagam mais caro por esta solidão. Poucos são os que desejam a vida de pássaro. A maioria acha a natureza muito primitiva, eles superaram o estágio homem-animal. Engraçado! Fico em dúvida se é uma nova espécie de sapiens sapiens. Eles, os humanos, passam o dia postando sua vida nas redes sociais, esquecem-se de dar um OI para o vizinho e sentir prazer no ar que se esconde no mato.  Mas nesse dia que acordei cedo, lembrei que uma vez conheci um homem-pássaro. Ele não fazia tantas piruetas, na verdade o que ele fazia pode ser caracterizado como peripécias. Ele cantava, acordava cedo, inventava a vida, criticava o que vinha pronto. Mas não voava. Era chamado de comunista. Por ser classificado assim teve suas asas cortadas no meio de uma madrugada de sábado.

quinta-feira, outubro 25, 2012

Quinta intercorrência

Nada que fosse infantil: que cobria a realidade mais cruel
Nada que fosse resto: sobra que incomoda na fatia da maçã
Nada que fosse lembrança: que palpita com medo de parar de doer

domingo, outubro 07, 2012

Extra, extra!




Nessas eleições fica decretada uma epidemia! Ainda sem nome, mas um pouco parecido com o Mal de Alzheimer - doença degenerativa, ainda sem cura, mas com tratamento.

A demência política atingiu maioria dos votos. É preocupante visto que os estudos dizem que a prevalência aumenta com os anos. O primeiro sintoma da doença é a perda da memória, que às vezes é confundido com os problemas da idade ou do stress. Outro sintoma é a confusão mental, não se sabe mais que candidato está com quem e não se consegue entender o que está por trás das alianças. Ainda somam-se aos sintomas: irritabilidade, agressividade, alterações de humor e falhas na linguagem. Mais preocupante ainda é o desligamento da realidade, parece que as pessoas se enclausuram e fecham em seus grupos, não dialogando as propostas nem abrindo espaço para o novo.

Fechado os quatro ciclos, no último, o cidadão com demência política fica completamente dependente das pessoas que tomam conta dele. Nesse caso, perde a capacidade de escolher o que é melhor pra si e para os demais, segue cego, sem crítica e apático a qualquer reação de mudança. Não consegue acreditar na transformação social, não consegue se enxergar enquanto sujeito político.

Dizem que os estudos sobre prevenção ou atraso dos efeitos desse mal são infrutíferos. No entanto, os mesmos estudos apontam que existe relação entre o cuidado na alimentação e atividades intelectuais. O exercício da leitura, os conhecimentos de outras realidades podem retardar a demência política. Outra sugestão, essa mais pessoal, é a leitura do livro de Betinho “Como se faz análise de conjuntura”, saber discordar e como discordar é importante, quando se tem fundamentação e não só por apatia ou por gostar de balançar a cabeça.

Outra forma de tratamento é espalhar esperança, contagiar com alegria para quebrar as individualidades. Esse tipo de Alzheimer é um fenômeno da democracia representativa no modo de produção capitalista, sob égide do modelo neoliberal. O que muitos chamam de pós-modernidade nada mais é que o aprofundamento das relações nesse modo de produção.

Expressões da questão social como aumento da pobreza, precarização das relações de trabalho e desemprego estrutural são determinantes para o aumento do índice de demência política. Os cidadãos ficam acorrentados ao sistema e trocam o voto por um emprego ou cesta básica, o que dá no mesmo. É jogada no lixo a oportunidade de mudança, mas como disse ainda no século XIX o francês Joseph-Marie Maistre: "Cada povo tem o governo que merece". Assim sendo: povo demente, governo demente.

quarta-feira, outubro 03, 2012

Terceira intercorrência


Toda vez que faço um poema me esqueço dos traços que precisam ser feitos quando se desenha uma vida

Toda vez que faço um poema me parece que a poética sai
Vai embora, fugindo da vida que eu prometo
Da vida que só sai em minhas palavras de má poeta

domingo, setembro 30, 2012

Segunda intercorrência


Carneiros: aqueles que comem carne em tanto excesso que seus pelos engordam. Não que carne engorde, na verdade carne é sempre um estado de vida e por isso uns gostam de comê-la em sangue vivo. O sangue vermelho e quente escorre a cada mastigada. A cada moer, gemendo. Mas, nem preciso de tanta descrição agora. Eu me remoía toda ao olhar para frente e ver que esses olhos me viam. Eu ficava preocupada se eu estava apresentando aspecto agradável. Às vezes eu me rendia pensando no passado. Com falta de alguma coisa que ainda quer crescer. Tinha dias que eu não me acordava com o desejo mais firme de acordar. Tinha dias que eu corria para dentro de mim, para me esconder tanto ao ponto de me perder e desaparecer. Como que achando um caminho para o sumiço. A imagem é um pouco com a da Alice entrando no mundo das maravilhas. Eu vinha me escapando de mim. Correndo para dentro de um mundo irreal que só existia em minha cabeça. E eu te olhava... Como quem quer saber mais sobre como a gente foi se encontrar assim. A impressão era que talvez a gente não pudesse se cruzar em momento pior. Parece-me que as coisas vão escapando. Cada vez eu vou sentindo mais certeza. Essa bendita existência do tempo. E eu já lembrava: tempo não é o que passa, mas sim o que vive. Eu pouco tinha vivido, mas já entendia um bocado do que fazia e um pouco de tempo que às vezes perdia. Eu pensava sempre: Mas por quê? Como assim? Hã? O mundo queria me explicar melhor colocando algumas situações que poderia me fazer uma louca, ou qualquer outra pessoa desprezível. Sentia vergonha do que às vezes lembrava e só agora, nesse momento da vida e nas reflexões, gostava de lembrar e saber que essa vergonha já passou. Eu passava horas lembrando e rindo. Voltava em algumas histórias morrendo de rir. E você continua me olhando. Eu poderia passar mais um tempo olhando até que minha boca atrevida pergunta: o que foi? Como assim? O que foi sua lesa? Eu me perguntava em pensamento depois de deixar escapar a curiosidade infantil que invadia e transbordava. Tenho a impressão que isso foi dito. Pelo menos o gesto que sempre faço quando pergunto isso saiu. Levantei meu queixo como que apontando para algum lugar. O lugar que eu apontava era para os seus pensamentos. Queria entrar lá dentro e saber o que realmente se passava. Essa mania de historicizar tudo, ver os contextos e as fontes sempre me colocavam em situações constrangedoras. Ai que vergonha! Mais uma vez pensei. Para fugir da responsabilidade de minha ação me perdi pensando o que você poderia estar achando de minha inocência. Pois para mim você tanto poderia me achar muito interessante ou desinteressante. Foi nesse momento que eu reconheci o mistério do seu olhar. A energia centrada que eu sentia no seu abraço agora encontrava nome: mistério. Nem sabia eu como agir ou o que pensar. Tentava pensar positivamente, pois riamos e eu abaixava a cabeça como que para mudar de capitulo, mudar de assunto e acabar com esse momento que só ficaria escrito em minha memória.