domingo, outubro 28, 2012

Sétima intercorrência


Era um bom dia de manhã, logo cedinho. Bem na hora que os pássaros saem de casa para cantar nas janelas. Foi quando percebi que eu era uma pilha e precisava de gás para transbordar minha intimidade. Nem sei se forçava, nem sei se moía. Às vezes parecia que não tinha graça recarregar a pilha apenas no final semana. Às vezes não, quase sempre não tinha graça. Tinha final de semana que vibrava intimo a vontade de ser como o pássaro que bebia água na minha janela. Beber água com o corpo deitado e suspenso no ar, agarrado no bebedouro de plástico colorido é quase que um número de circo. Mesmo assim, tenho a impressão que a profissão de ser pássaro não é tão fácil como ser humano. O humano já tem todas as regras prontas: a moda diz o que você veste, a TV diz o que está acontecendo e já traz a análise pronta, as escolas contam a história que seu avô não conta mais e os remédios estão nas prateleiras das farmácias para curar todas as dores, inclusive as de tristeza e solidão. Os pássaros não. Vivem do vôo, do criativo, do inventado.  Vivem das piruetas no ar e do banho nas poças d’água. Estão quase sempre em bandos e parece que brincam o tempo todo. Os homens estão sozinhos e fingem que tem amigos e compartilham com a família, se prendem em caixinhas e no último censo do IBGE foi comprovado que pagam mais caro por esta solidão. Poucos são os que desejam a vida de pássaro. A maioria acha a natureza muito primitiva, eles superaram o estágio homem-animal. Engraçado! Fico em dúvida se é uma nova espécie de sapiens sapiens. Eles, os humanos, passam o dia postando sua vida nas redes sociais, esquecem-se de dar um OI para o vizinho e sentir prazer no ar que se esconde no mato.  Mas nesse dia que acordei cedo, lembrei que uma vez conheci um homem-pássaro. Ele não fazia tantas piruetas, na verdade o que ele fazia pode ser caracterizado como peripécias. Ele cantava, acordava cedo, inventava a vida, criticava o que vinha pronto. Mas não voava. Era chamado de comunista. Por ser classificado assim teve suas asas cortadas no meio de uma madrugada de sábado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário