Era um bom dia de manhã, logo cedinho. Bem na hora que os
pássaros saem de casa para cantar nas janelas. Foi quando percebi que eu era
uma pilha e precisava de gás para transbordar minha intimidade. Nem sei se
forçava, nem sei se moía. Às vezes parecia que não tinha graça recarregar a
pilha apenas no final semana. Às vezes não, quase sempre não tinha graça. Tinha
final de semana que vibrava intimo a vontade de ser como o pássaro que bebia
água na minha janela. Beber água com o corpo deitado e suspenso no ar, agarrado
no bebedouro de plástico colorido é quase que um número de circo. Mesmo assim,
tenho a impressão que a profissão de ser pássaro não é tão fácil como ser
humano. O humano já tem todas as regras prontas: a moda diz o que você veste, a
TV diz o que está acontecendo e já traz a análise pronta, as escolas contam a
história que seu avô não conta mais e os remédios estão nas prateleiras das
farmácias para curar todas as dores, inclusive as de tristeza e solidão. Os
pássaros não. Vivem do vôo, do criativo, do inventado. Vivem das piruetas no ar e do banho nas poças d’água.
Estão quase sempre em bandos e parece que brincam o tempo todo. Os homens estão
sozinhos e fingem que tem amigos e compartilham com a família, se prendem em
caixinhas e no último censo do IBGE foi comprovado que pagam mais caro por esta
solidão. Poucos são os que desejam a vida de pássaro. A maioria acha a natureza
muito primitiva, eles superaram o estágio homem-animal. Engraçado! Fico em
dúvida se é uma nova espécie de sapiens sapiens. Eles, os humanos, passam o dia
postando sua vida nas redes sociais, esquecem-se de dar um OI para o vizinho e
sentir prazer no ar que se esconde no mato. Mas nesse dia que acordei cedo, lembrei que uma
vez conheci um homem-pássaro. Ele não fazia tantas piruetas, na verdade o que
ele fazia pode ser caracterizado como peripécias. Ele cantava, acordava cedo,
inventava a vida, criticava o que vinha pronto. Mas não voava. Era chamado de
comunista. Por ser classificado assim teve suas asas cortadas no meio de uma
madrugada de sábado.
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